sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Deus



Mari passara quarenta anos de sua vida trabalhando como advogada, até que sua doença a trouxera para Villete. Logo no inicio de sua carreira, perdera rapidamente a ingênua visão da Justiça, e passara a entender que as leis não haviam sido criadas para resolver problemas, e sim para prolongar  indefinidamente uma briga.

Pena que Allah, Jeovah, Deus – Não importa o nome que lhe dessem – não tivesse vivido no mundo de hoje. Porque, se assim fosse, nós todos ainda estaríamos no Paraiso, enquanto Ele estaria ainda respondendo a recursos, apelos, rogatórias, precatórias, mandados de seguranças, liminares – e teria que explicar m inúmeras audiências sua decisão de expulsar Adão e Eva do Paraíso – apenas por transgredir uma lei arbitrária, sem nenhum fundamento jurídico: não comer o fruto do Bem e do Mal.
Se Ele não queria que isso acontecesse, por que colocou a tal árvore no meio do Jardim – e não fora dos muros do Paraíso? Se fosse chamada para defender o casal, Mari seguramente acusaria Deus de “omissão administrativa”, porque, além de colocar a árvore em lugar errado, não a cercou com avisos, barreiras, deixando de adotar os mínimos requisitos de segurança, expondo todos que passavam ao perigo.
Mari também podia acusá-lo de “indução ao crime”: chamou a atenção de Adão e Eva para o exato local onde se encontrava. Se não tivesse dito nada, gerações e gerações passariam por essa Terra sem que ninguém se interessasse pelo fruto proibido  - já que devia estar numa floresta, cheia de árvores iguais, e portanto sem nenhum valor específico.
Mas Deus não agira assim. Pelo contrário, escreveu a lei e achou u jeito de convencer alguém a transgredi-la, só para poder inventar o Castigo. Sabia que Adão e Eva terminariam entediados com tanta coisa perfeita, e – mais cedo ou mais tarde – iriam testar Sua paciência. Ficou ali esperando, porque talvez Ele  -  Deus Todo-Poderoso – estava entediado com as coisas funcionando perfeitamente: se Eva não tivesse comido a maçã, o que teria acontecido de interessante nestes bilhões de ano?
Nada.
Quando a lei foi violada, Deus  - o Juiz Todo-Poderoso – ainda simulara uma perseguição, como se não conhecesse todos os esconderijos possíveis. Com os anjos olhando e divertindo-se com a brincadeira ( a vida para eles também devia ser muito aborrecida, desde que Lúcifer deixara o Céu ), Ele começou a caminhar. Maria imaginava como aquele trecho da Bíblia daria uma bela cena num filme de suspense: os passos de Deus, olhares assustados que o casal trocava entre si, os pés que subitamente paravam ao lado do seu esconderijo.

“Onde estás?”, pergunta Deus.
“Ouvi seu passo no jardim, tive medo e me escondi, porque estou nu”, responde Adão, sem saber que , a parti desta afirmação, passava a ser réu confesso de um crime.


Trecho do livro
Veronika Decide Morrer
Paulo Coelho

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